HISTÓRIA DE RENATO E SEUS BLUE CAPS

  

 

OS REIS DO IÊ-IÊ-IÊ

          Os sábados eram animados naquela modesta casa em Piedade, no Rio de Janeiro. Ali Seu Barros, que tocava violão, e sua esposa, que cantava, se reuniam com cunhados que também tocavam violão e, no fundo do quintal, davam vazão à veia musical comum a tantos membros da família. Foi ali, nesse ambiente, que nasceram os irmãos Renato, Ed Wilson e Paulo Cesar Barros.

             Como seria de se esperar, os três tinham a música à flor da pele. Ainda adolescentes travaram o seu primeiro contato com o "rock'n roll" que chegava ao Brasil na voz de Bill Halley e Seus Cometas. Na mesma época "conheceram" Little Richard ("Tutti Frutti", "Long Tall Sally"), Jerry Lee Lewis ("Balls of Fire"), Gene Vincent ("Be Bop a Lula") e tantos outros roqueiros americanos que começavam a fazer, também no Brasil, a cabeça da juventude. Contagiados pela onda, formaram um grupo e começaram a ensaiar.

          Ao lado da casa dos Barros havia um clube, o "Esporte Clube Oposição", que promovia, nos domingos à noite, festivais de rock que, na realidade, eram mais shows de "mímica" (playback) muito em moda na época. Um dia Renato e sua turma estavam na platéia quando, por armação dos pais, foram chamados ao palco para se apresentarem. Vencendo a timidez subiram e deram o recado. Animados com a aceitação formaram um conjunto chamado "Os Bacaninhas do Rock da Piedade". Ed Wilson ("Sandra", "Carro do Papai" do próprio Renato Barros) ainda um ilustre desconhecido, integrava o conjunto. Mas, como cantar aqueles sucessos americanos, se ninguém sabia inglês? Isto não era problema para "Os Bacaninhas do Rock da Piedade". Bastava prestar bastante atenção ao som emitido pelos cantores e procurar reproduzi-lo enrolando a língua. Foi também assim que Renato, desejando comprar o disco de "Tutti Frutti" (Pat Boone - Little Richard), foi até uma loja em Cascadura e:

- Você tem aquele disco... (e cantando): "Uá-pá-blu- ... "

        E o rock seguia tomando a juventude brasileira. Elvis Presley (Hound Dog) chegou logo a seguir e acabou de botar lenha na fogueira. Influenciados até mesmo pelo visual do futuro "rei do rock", Renato e Ed Wilson passavam cera de sapato preta nos cabelos a fim de conseguirem o mesmo topete negro. O problema estava somente quando a chuva surpreendia os roqueiros e a tinta escorria pelo rosto.

        Um amigo de Renato e sua turma, Jorge Bahia, estudava no Colégio Vasco da Gama que funcionava na Baixa do Sapateiro, onde tinha um colega, chamado Gelson, que era baterista de um conjunto de rock em Vila Isabel. Jorge, então, convidou Gelson e sua turma para conhecerem a turma de Renato e também participarem dos shows de mímica em Piedade. Feita a aproximação, Gelson foi logo bem aceito pela turma. É que ele estudava inglês no IBEU e conseguia as letras dos sucessos americanos. Para a turma que cantava enrolando a língua, era um verdadeiro achado.

 

      O programa "Hoje é dia de rock", transmitido do Auditório da Rádio Mayrink Veiga, era a "coqueluche" da juventude carioca, com uma audiência enorme. Renato e sua turma não podiam deixar passar a oportunidade e se inscreveram para fazer mímica com coreografia o que, na época, era até mais valorizado do que simplesmente cantar. Assim "Os Bacaninhas do Rock da Piedade" se apresentaram e... levaram uma retumbante vaia. Acabrunhados, voltaram para Piedade temendo a fria recepção dos amigos. Mas, para surpresa deles, os amigos deram a maior força e os incentivaram a uma nova tentativa.

        Assim, dias após Renato voltou para inscrever a sua turma. Na hora da inscrição estava presente Jair de Taumaturgo, diretor do programa, que, ao vê-lo e se lembrando da vaia da apresentação anterior, se espantou:

- Vocês, outra vez?
E Renato, todo entusiasmado:
- Agora a gente vai fazer ao vivo!
- Meu Deus do Céu! - exclamou Jair. E completou: Não venham com aquele nome!
- Mas só temos aquele
- desculpou-se Renato.
Jair, então, se propôs a ajudá-los:
- Vamos bolar um outro nome. Como é o seu nome?
- Renato.

- Que tal "Renato e Seus Cometas"? - numa clara alusão a Bill Haley.
- ?
- Não!
- descartou o próprio Jair, para sentenciar:
- "Renato e Seus Blue Caps" - numa igualmente escancarada alusão a "Gene Vincent and his Blue Caps".

       O jovem Renato, que achava que a carreira do conjunto não passaria daquele programa, aceitou pacificamente. E assim nascia o conjunto que mais tarde se tornaria o mais importante e mais popular da Jovem Guarda.

       Apresentaram-se cantando "Be Bop a Lula", justamente um sucesso de "Gene Vincent and His Blue Caps" e... "abafaram". Ganharam não só o concurso, como também a oportunidade de se apresentarem no "Programa do Chacrinha" na TV, prêmio destinado ao primeiro colocado.

          Como haviam sido informados de que na televisão os artistas tinham que se apresentar maquiados, os Blue Caps já saíram de suas casas com os rostos cheios de pó causando, naturalmente, estranheza aos demais passageiros do ônibus. Participaram do programa, mas a parte melhor aconteceu mesmo nos bastidores. Estava presente Nazareno de Brito, Diretor Geral da Copacabana Discos, que gostou da apresentação do conjunto e prometeu:

- Vou fazer um disco com vocês!

        E realmente fez. Foi um LP do tipo "pau de sebo", como se chamava na época. Reunia três artistas iniciantes, ficando cada um com quatro faixas. Dividiram o disco, com o conjunto, Reinaldo Rayol (irmão de Agnaldo Rayol) ("Eu Quero o Twist", "Aniversário do Meu Bem" de Roberto Carlos) e Cleide Alves ("Chega", "Meu Anjo da Guarda"), aquela citada na "Festa de Arromba" ("Wanderléa ria e Cleide desistia/ De agarrar um doce que do prato não saia..."), ambos despontando como roqueiros. Renato e Seus Blue Caps, além de ficarem com quatro faixas, acompanharam Reinaldo e Cleide nas outras oito. Feito o primeiro registro fonográfico do conjunto... nada aconteceu. O LP passou despercebido pelo público.

       Mas... a vida continua. E nesse meio tempo os Blue Caps conheceram Erasmo Carlos e Roberto Carlos, roqueiros que também despontavam, e passaram a tocar com Roberto, acompanhando-o em shows em circos, etc...

      Nessa ocasião a família Barros se mudou da casa para um edifício, no outro lado da mesma rua na Piedade. Ali, no apartamento 201, o conjunto ensaiava, para desespero dos vizinhos. O prédio passou a ficar famoso em Piedade. Não era sem motivo. As garotas da vizinhança se aglomeravam pelas escadas para verem, além de "Renato e Seus Blue Caps", Roberto Carlos (Quero Que Vá Tudo Pro Inferno), Erasmo Carlos ("Tremendão", "O Carango"), Wilson Simonal ("Meu Limão, Meu Limoeiro", "Vesti Azul"), Martinha ("Eu Daria a Minha Vida", "É uma Brasa, Mora"), Eduardo Araujo ("Deixe o Rock", "O Bom"), Robert Livi ("Tereza", "Parabéns Querida"), Jerry Adriani ("Querida", "Doce, Doce Amor") e tantos outros novatos que iam ensaiar ou mesmo se encontrar com a turma. E foi justamente ali que o Blue Cap Paulo Cesar Barros conheceu a garota com a qual veio a se casar.

     A época era propícia aos conjuntos, que faziam grande sucesso: "Luizinho e Seus Dinamites", "Lafayette (que tocava órgão) e Seu Conjunto", "Relâmpagos do Rock" (depois chamado "The Panthers" e por fim "Raulzito e os Panteras", liderado por Raul Seixas, o Raulzito),e tantos outros. Não obstante, Ed Wilson - que era a principal voz do "Renato e Seus Blue Caps" - deixou o grupo quando Carlos Imperial o convidou para fazer uma carreira solo.

      Erasmo Carlos, que tinha um grupo vocal e era secretário de Carlos Imperial na Rádio Guanabara, convidado por Renato para ocupar a vaga, aceitou o convite passando a fazer o mesmo papel de "crooner". Também nessa ocasião Gelson saiu para fazer uma turnê acompanhando Eduardo Araújo, deixando o conjunto sem baterista. Sabendo que os Blue Caps estavam precisando de um baterista, a cantora (tinha também um programa de rádio) Célia Vilela ("A Fã e o Namorado") lembrou-se de seu amigo Toni, um baterista do Leblon. Animou-o, então, a se integrar ao conjunto de Renato, vindo a ser o baterista preferido de Roberto Carlos que não trocava a sua batida pela de nenhum outro baterista.

           A fim de melhorar o visual do conjunto, Erasmo foi às Casas Pernambucanas e comprou um tecido quadriculado de preto e branco e outro vermelho e mandou fazer paletós para todos, que foi complementado com calças pretas e mocassins brancos. Este foi o primeiro uniforme do "Renato e Seus Blue Caps". Foi quando gravaram o segundo LP (em cuja capa aparecem com o tal uniforme) que se chamou "Renato e Seus Blue Caps". Integravam o conjunto, nessa época, Renato (guitarra), Paulo César (baixo), Roberto Simonal (sax), Toni (bateria) e Erasmo Carlos.

      Roberto Carlos tentara formar um conjunto para acompanhá-lo, para o qual havia convidado Cid Chaves do "The Silvery Boys", que havia começado na "Banda Estudantil de Campo Grande", bairro onde morava. Como o projeto não dera certo - afinal ele já tinha "Renato e Seus Blue Caps" para acompanhá-lo - Roberto "deu um toque" em Cid para ele entrar para o conjunto. Também Paulo Cesar já o havia convidado. Cid aceitou completando, então, a formação do "Renato e Seus Blue Caps" que veio a estourar no país inteiro: Renato (guitarra), Carlinhos (guitarra), Paulo Cesar (baixo), Toni (bateria) e Cid (sax, gaita, pandeiro, etc...) fazendo, todos, o vocal.

       Acompanhando Erasmo e Roberto Carlos, Renato e sua turma começaram a freqüentar a Tijuca, onde conheceram Jorge Ben ("Por Causa de Você", "Chove Chuva") e Tim Maia ("Primavera"). Roberto Carlos, que encontrara no "Renato e Seus Blue Caps" o som que estava em moda e que tanto procurava e já acostumado a ser acompanhado em suas apresentações pelo "sonzão" do conjunto, tentava levá-lo para a CBS, a sua gravadora. A CBS (na época sediada na Rua Visconde do Rio Branco) conservadora e muito fechada, resistia e... Roberto insistia. Até que conseguiu convencer o Senhor Evandro Ribeiro, Diretor Presidente da gravadora e que, segundo depoimento do próprio Renato, "viria a ser o grande responsável por todo o sucesso da 'Jovem Guarda' ". Após um teste, o primeiro trabalho do conjunto foi acompanhar o próprio Roberto Carlos na gravação de "Splish Splash".

        Mas a grande virada se deu com o primeiro LP gravado na CBS (o terceiro do conjunto) chamado "Viva a Juventude". Na mesma ocasião em que estavam gravando as músicas para o LP, participavam também do programa de Carlos Imperial na TV Rio, cuja abertura era feita por "Renato e Seus Blue Caps", sempre com uma música nova. Quando Imperial lançou no programa o concurso "Rainha das Praias Cariocas", Silvinha, uma lourinha carioca que voltava de Brasília onde havia morado, se inscreveu. Ao participar do concurso conheceu Renato que tocava no programa e começaram a namorar. Afinal, embora Renato e sua turma passassem o dia no estúdio, indo para o programa à noite e, às vezes, ainda voltando ao estúdio para gravar, não podia faltar tempo para namorar.

     Um belo dia, Carlos Imperial chegou para Renato, com um compacto na mão, e lhe disse:

- Vê se tira essa música para amanhã.

         Era "I should have known better" de John Lennon e Paul Mc Cartney. Mas, "tirar" a música implicava em aprender a letra em inglês, descobrir a vocalização, os arranjos e ensaiar. Como fazer isso de um dia para o outro? Renato achou mais fácil fazer uma versão. Foi quando nasceu "Menina Linda". O sucesso da versão foi tão grande no programa que resolveram incluí-la no disco que já estava quase pronto. E terminou sendo o grande sucesso que "puxou" o LP. Quando Othon Russo encontrou Renato na rua e lhe disse que "Menina Linda" estava em 2º lugar em São Paulo, Renato pensou que fosse brincadeira.

     Daí para o quarto LP foi um pulo. "Isto é Renato e Seus Blue Caps", como o anterior, estourou em todo o país. Era o auge da Jovem Guarda (1965)

       Nessa época o jovem Gileno foi de sua terra Natal (RS) tentar a vida no Rio. Meio perdido na cidade grande, lembrou-se de uma amiga de infância, de quando morara no Rio, chamada Silvinha. Procurou-a no mesmo dia em que chegou. Vendo que o amigo gostava de cantar Silvinha apresentou-o, na tarde do mesmo dia, ao seu namorado Renato Barros. Os dois conversaram muito, havendo Gileno mostrado algumas músicas suas. Algum tempo depois Renato sugeriu aos dois que formassem uma dupla. Oito meses após, depois de testes na gravadora onde foram acompanhados pelo próprio "Renato e Seus Blue Caps", a dupla lançava o seu primeiro compacto. Como Gileno era uma palavra que não dava boa métrica, ele virou Leno. E como já havia a Silvinha ("Minha Primeira Desilusão") que viria a se casar com Eduardo Araújo, a Silvinha da dupla virou Lilian. O primeiro compacto da dupla "Leno e Lilian" tinha "Pobre Menina" (uma versão de "Hang on sloopy" feita pelo próprio Gileno) e "Devolva-me" (de Renato Barros e Lilian Knapp). Mais tarde a dupla ainda gravaria "Eu não sabia que você existia", também de Renato, dentre tantas outras.

      Sempre pela CBS, "Renato e Seus Blue Caps" lançavam Long Plays que faziam sempre grande sucesso. Músicas dos Beatles chegavam a ser lançadas no Brasil primeiro nas versões do "Blue Caps" para, depois de conhecidas do público, chegarem na voz dos seus criadores. Vieram então os LP "Um embalo com Renato" (1966) e "Renato e Seus Blue Caps" (1967).

         A partir de 1967 o conjunto se liberou da fase "beatles" e seus integrantes desenvolveram estilo próprio de cantar e de compor. Roberto Carlos, em 1968, chegado ao soul-Motown (influência de Tim Maia), gravou "Não Há Dinheiro Que Pague" composta por Renato Barros. Seguiram-se, então os Lp abaixo, além de inúmeros compactos simples e duplos e participações nos LP "As 14 mais" da CBS:

·         "Especial" (1968);
"Renato e Seus Blue Caps" (1969);
"Renato e Seus Blue Caps" (1970);
"Renato e Seus Blue Caps" (1971);Renato, Scarambone, Paulo César, Tony, Pedrinho e Cid
"Renato e Seus Blue Caps" (1972);
"Renato e Seus Blue Caps" (1973);
"Renato e Seus Blue Caps" (1974);
"10 anos de Renato e Seus Blue Caps" (1976);
"Renato e Seus Blue Caps" (1977);
"Suco de Laranja" (1979);
"Renato e Seus Blue Caps" (1981);
"Para sempre" (1983);
"Batom Vermelho" (1987);
"Renato e Seus Blue Caps" (1996).

·         ''Renato e seus Blue Caps'' ao vivo (2001)

       Ao longo de todo esse tempo, passaram pelo "Renato": Renato Barros, Paulo César Barros, Ed Wilson, Cláudio, Gelson, Roberto Simonal, Erasmo Carlos,Toni, Cid, Carlinhos, Mauro Motta, Pedrinho, Scarambone, Michael Sullivan e Marquinho.

      Hoje o "Renato e Seus Blue Caps" é composto de Renato (guitarra), Cid (vocal), Gelson (bateria), Darci Velasco(teclado) e Amadeu Signorelli (baixo ).

        (Texto e pesquisa de F. Duarte - meu amigo que conheci através da Internet, e por causa da música)
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discografia       fotos de LPs de Renato
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